Subsídios à discussão da Implantação da Usina de Incineração de Lixo Mogi Mirim/SP

“O lixo é uma riqueza pública. Explorá-lo com inteligência e respeito à vida e ao meio ambiente é dever de todos nós”.

Mogi Mirim, março de 2012.

SUBSÍDIOS À DISCUSSÃO DA IMPLANTAÇÃO DA USINA DE INCINERAÇÃO DE LIXO MOGI MIRIM/SP

A implantação de uma usina de tratamento de lixo em Mogi Mirim, atendendo a mais seis cidades da região, merece uma reflexão, priorizando os interesses das populações envolvidas. Discutir exaustivamente de forma clara, colocando os prós e contras, é um dever das autoridades municipais do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, com envolvimento necessário da população, pois uma decisão errônea poderá colocar em risco a saúde dos munícipes, na verdade contribuintes que custearão, através de impostos, o projeto ora em estudos.

Na presente análise, apresento minhas observações enquanto membro do Corpo Diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), como cidadão radicado na cidade, empresário ligado à reciclagem e com a responsabilidade de lutar para que tenhamos no futuro um mundo melhor, menos poluído e com melhor qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. E o faço com a consciência de cidadania, totalmente isento de interesses econômicos ou políticos.

O CONSAB

Com objetivo de tentar resolver o problema do lixo, foi constituído o Consórcio Intermunicipal de Saneamento Municipal, o Consab, composto inicialmente pelas cidades de Artur Nogueira, Conchal, Cosmópolis, Engenheiro Coelho e Santo Antônio de Posse. A essas cidades se uniram Mogi Mirim e Holambra. Em seus objetivos, “regionalizar os sistemas de saneamento ambiental, criar uma área conjunta para o encaminhamento dos resíduos, além de projetos para efetivar a coleta seletiva e a elaboração do Plano de Saneamento”.

A USINA

No decorrer dos estudos, após a visita de uma comitiva do CONSAB à Alemanha, seus membros entenderam que a solução dos problemas da região consiste em implantar uma usina de incineração de lixo, através de Parceria Público Privada (PPP), gerando Combustível Derivado de Resíduos (CDR), destinado a geração de energia elétrica. E que essa usina deve ser implantada em Mogi Mirim.

Na visita dos alemães, com o objetivo de estudar o melhor sistema, a CONSAB praticamente fechou uma futura transação com a empresa Dorsch Grupp. O grupo de alemães da empresa Dorsch Gruppe e da Universidade de Rostock esteve na cidade de Mogi Mirim em dezembro de 2011, e defendeu a instalação da usina de incineração. Assinaram um protocolo de intenções para o prosseguimento dos projetos.

Nessa reunião, o chefe de gabinete da Prefeitura de Mogi Mirim, Gerson Rossi, disse que em uma futura concorrência, “pretendemos viabilizar a usina por meio da PPP (Parceria Público Privada). Nesse caso, os proponentes é que vão apresentar as tecnologias adequadas para a implantação da usina”. A comitiva alemã também foi composta por Abdallah Nassour, professor da Universidade de Rostock, para quem, “na Alemanha, por exemplo, realizamos mais de 100 projetos até encontrar um recurso adequado. E a intenção é zerar, até o ano de 2020, a quantidade de lixo enviada para os aterros do nosso país”. Tanto Abdallah como o representante da Dorsch Gruppe, engenheiro Michael Schleusener, garantem a eficiência, principalmente em relação à poluição pela queima do lixo. “A ideia é que apenas uma usina transforme o lixo em CDR, já convertendo o combustível em energia, o que custaria, aproximadamente, de 18 a 70 milhões de euros”, disse Gerson Rossi. Ou seja, algo entre R$ 41,3 milhões e R$ 161 milhões.

CONSIDERAÇÕES

Não há a menor dúvida de que a destinação do lixo é uma preocupação de todos. Nos últimos oito anos, Mogi Mirim tem destinado seu lixo para o aterro de Paulínia, com custos elevados e não houve avanço na coleta seletiva. Há muitas observações a respeito da instalação de usinas de incineração, e é interessante colocá-las a público para o engrandecimento do debate. Vejamos algumas:

A – O Coletivo de Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo analisou, tecnicamente, a viabilidade dessas usinas, e destaca em documento que:

1. O processo de monitoramento e controle da poluição gerada por incineradores é economicamente inviável. No Brasil é impensável, considerando-se a composição físico-química de nosso lixo. (1). 

2. A incineração do lixo é hoje um grande lobby para a venda de tecnologia que vem sendo desativada na Europa. Só no Estado de São Paulo estão sendo anunciadas mais de 20 usinas de incineração. Essa proposta provocaria a manutenção do sistema usual de produção, que é insustentável, retirando mais e mais elementos preciosos da natureza, enquanto materiais recicláveis seriam incinerados, sob a desculpa de “recuperação energética”.  Essa proposta vai contra toda a lógica de reutilização de materiais recicláveis. (1).

3. A recuperação energética alardeada é uma farsa sem precedentes. Incinerar plástico e outros materiais recicláveis, de alto poder calórico para geração de energia é um absurdo, já que para sua produção foram consumidas muita água e muita energia. O balanço energético não fecha. Uma nova produção destes materiais gastaria mais energia do que a obtida com sua combustão (1).

4. A reciclagem de materiais é o caminho da sustentabilidade, enquanto a incineração é a forma fácil de se livrar do lixo, mantendo  um sistema produtivo insustentável e predador. Além disso, as emissões aéreas são incontroláveis e as cinzas dos incineradores são classificadas como resíduos Classe I – Perigosos, necessitando de tratamento e armazenagem em função da sua toxicidade (1).

5. Tratado – Na Convenção de Estocolmo, em 2004, o Brasil ratificou o tratado da Organização das Nações Unidas (ONU), e reconheceu que os incineradores são uma das principais fontes de formação de dioxinas e furanos, poluentes orgânicos persistentes e bioacumulativos dos mais tóxicos produzidos pelo ser humano.  De acordo com a Convenção, é recomendável que o uso de incineradores seja eliminado progressivamente (1).

B – O Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, Proam, também se manifestou contrariamente à instalação de usinas incineradoras de lixo, elencando:

1. Na contramão da sustentabilidade e da própria norma em vigor, o Brasil, assim como outros países da América do Sul e Índia, é objeto de um forte lobby que pretende vender e patrocinar usinas de incineração de lixo em desuso na Europa, por restrições conceituais e ambientais (2).

2. “É preciso que as forças vivas da sociedade mobilizem-se contra esta onda que se traveste de recuperação energética”, afirmou Carlos Bocuhy, presidente do Proam, referindo-se ao processo de incineração de materiais de alto valor calórico como plástico e papelão. “É um absurdo que materiais que tiveram alto custo em água e energia para a sua produção não sejam reciclados e sua incineração seja classificada de forma mentirosa como “recuperação energética” e “usinas verdes”. O que ocorre é que estão tentando ‘pintar de verde’ a prática mais poluente das alternativas para a disposição final do lixo” (2).

C – O Ministério Público também tem posição sobre o tema. O promotor público de Taubaté, Wagner Giron falou a respeito das usinas, em reunião realizada no Vale do Paraíba. Vejamos suas colocações sobre o impacto ambiental dessas usinas:

1. Além de alertar a sociedade, no que diz respeito a essas energias, temos que levar em consideração a ética e promessas feitas pelos governos federal e estadual, que firmaram um compromisso de reduzir em 20% a emissão de gases nocivos do efeito estufa até 2020 (2).

2. O anúncio de patrocínio a usinas e termelétricas, feito pelo Governo do Estado de São Paulo, viola o senso ético e afronta as leis. É um absurdo, um estelionato ambiental (2).

3. O Ministério do Meio Ambiente é contra usinas de incineração. Essa posição foi defendida pela ministra Izabella Teixeira, em reunião realizada em seminário promovido pelo Sindicato dos Metalúrgicos, em outubro de 2011, em São Bernardo do Campo. “Cuidado com as armadilhas”, disse ela por três vezes, alertando os prefeitos em relação ao lobby das empresas que comercializam as usinas de lixo. Na mesma linha de raciocínio, discorre Sonia Hess, consultora de Meio Ambiente do Ministério Público Federal. Diz ela que “a incineração deve ser a última opção de tratamento do lixo urbano”, por não crível o controle de resíduos. (3).

4. O Brasil contabiliza experiências negativas com tecnologias importadas. Um bom exemplo são as usinas nucleares, que eram vistas como solução energética limpa. Hoje há programas para desativação de todas as usinas nucleares da Alemanha. No Brasil, a Câmara dos Deputados vem debatendo o destino dos rejeitos nucleares. Há polêmica em torno da transferência de rejeitos nucleares das Usinas Angra I e II para Goiás. Não se sabe qual será o destino. Criamos problemas ambientais desnecessários a custos astronômicos. Enquanto os outros países adotam programas de desativações das usinas nucleares, o Brasil continua construindo. (4)

OBSERVAÇÕES 

Minha experiência ao longo de anos, tendo como atividade profissional a reciclagem e compostagem, com a transformação de resíduos em fertilizantes orgânicos, aliada à participação em seminários e congressos ligados à preservação do meio ambiente, me permite colocar as observações, alicerçadas também em depoimentos de técnicos e profissionais de envergadura na área. Os itens seguintes são oferecidos para a discussão das autoridades e da população, especialmente aos moradores das cidades envolvidas com o projeto.

1. O projeto é dispendioso e nem mesmo os envolvidos sabem de seu custo. Estimam entre R$ 18 a 70 milhões de euros, dinheiro que sairá, direta ou indiretamente, do bolso da população.

2. Não existem dados que comprovem a viabilidade econômico financeira do projeto.

3. Essas usinas têm tecnologias obsoletas e estão sendo desativadas em países europeus. Em 1958, o Brasil desativou a usina de incineração em Manaus- Amazonas.

4. Não geram empregos, aliás, causam o desemprego das pessoas envolvidas com o processo de coleta e reciclagem.

5. Não há segurança em relação à eliminação dos gases – altamente cancerígenos – e as cinzas tóxicas. As dioxinas e furanos são altamente tóxicos. Eles são prejudiciais ao meio ambiente e aos seres humanos pela inalação e também pela contaminação das plantações alimentícias, e das águas de nossos córregos e rios.

6. Entidades que lutam em favor do meio ambiente e pela melhoria da qualidade de vida são totalmente contra esses projetos, incluindo autoridades do Ministério Público e a própria ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.

7. As usinas nucleares, termoelétricas ou simples incineradoras, têm sido notícia na imprensa, constantemente, pelos vazamentos. Na implantação foram “vendidas” como de alta segurança.

8. Em 2003, a Companhia Energética de São Paulo, a Cesp, tentou implantar uma termoelétrica em Mogi Mirim, projeto abortado por um único motivo: perigo de contaminação, através de gases tóxicos, formadores da chuva ácida.

9. Na Convenção de Estocolmo, em 2004, do qual o Brasil foi signatário, há a recomendação para a eliminação gradativa dos incineradores de lixo.

CONCLUSÃO

Os estudos me permitem sugerir:

1. Coleta seletiva do lixo, com a mão de obra de catadores, a ser executada através de cooperativas. É trabalhosa essa organização, mas basta a vontade política por parte dos chefes de Executivos. Existem departamentos municipais para isso, como os de “Meio Ambiente”. Essa prática é limpa e gera centenas de empregos dentro da formalidade.

2.Compostagem da matéria selecionada, transformando o lixo em fertilizantes orgânicos, beneficiando famílias dos mais carentes. Os resíduos sólidos orgânicos transformados em adubo orgânico podem ser um grande aliado na recuperação de solos degradados, aumentando a produção de alimentos, minimizando a fome do mundo.

3. Essas práticas, além da geração de empregos, protegem a população dos efeitos nocivos de gases e fumaças tóxicas.

4. O custo é infinitamente inferior aos das usinas.

5. A cidade de Curitiba estuda o sistema de biodigestão, em sequencia à reciclagem, e compostagem, descartando a incineração, vista como projeto perigoso à saúde de sua população.

Considerações Finais:

1. A nova lei nacional de resíduos sólidos urbanos (nº. 12.305/2010) mostra uma maneira adequada para a destinação dos resíduos sólidos urbanos. Entendendo que a indicação mais apropriada é a redução, reutilização, coleta seletiva, reciclagem e compostagem. (4)
2. A reciclagem é a que mais emprega e estimula a criar inúmeras cooperativas de coletores de materiais recicláveis, em um movimento de inclusão social que ficaria travado na incineração de suas matérias primas.

3. Se as usinas de incineração de lixo para recuperação de energia fossem eficientes e sustentáveis, elas comprariam sua matéria prima para produção de energia. Dentro desse contexto, o projeto se condena por si só. Sem considerar os aspectos negativos para o meio ambiente e para as pessoas.

4. A Ministra Izabella Teixeira, em reunião realizada em seminário promovido pelo Sindicato dos Metalúrgicos, em outubro de 2011, em São Bernardo do Campo, preocupada, alertou: “Cuidado com as armadilhas”.

5. Autoridades governamentais, Ministério Público, engenheiros e cientistas estudiosos em destinação do lixo, como também pessoas ligadas à preservação do meio ambiente, são unânimes em afirmar que se a usina de incineração de lixo for instalada marcará o maior retrocesso da agenda socioambiental, não só de Mogi Mirim, como da região.

6. Os estudos em torno do tema enriqueceram infinitamente minha visão em relação à usina de incineração do lixo. Apoio o desenvolvimento não destrutivo com preservação e equilíbrio socioambiental.

Ulisses Girardi

Diretor do Grupo Visafértil

www.ulissesgirardi.com.br | contato@ulissesgirardi.com.br

Referências:
1 – http://www.incineradornao.net/2011/08/diga-nao-a-incineracao-do-lixo/

2 – http://www.incineradornao.net/2011/08/campanha-internacional-contra-a-incineracao-do-lixo/

3 – http://blogln.ning.com/profiles/blogs/incineracao-saida-para-lixo-ou

4 – http://www.ulissesgirardi.com.br/?p=414

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