A colheita urbana da água das chuvas

A colheita urbana da água das chuvas

por Amauri Ramos, engenheiro e diretor da Acqualimp.

“O Popular” – 27 de agosto de 2014, página A2.

Os reservatórios de água em vários países se encontram próximos da capacidade limite em razão do aumento do consumo, assim como pelas alterações nos ciclos de chuva causadas pelas mudanças climáticas. Essa situação é ainda agravada pelo aumento da população mundial e o processo acelerado de migração do campo para as áreas urbanas. Neste contexto, os governos e os consumidores precisam olhar com cada vez mais atenção para o aproveitamento da água das chuvas.

Cada vez se impermeabiliza mais o solo. Sem poder infiltrar, a água desce pelas ruas e antes de chegar a rios e córregos inundam as cidades. Esse fenômeno provoca a destruição de residências e gera milhões em prejuízos para os governos e as famílias. A abordagem para esses problemas recebeu poucos avanços nas últimas décadas. Os governos continuam investindo em canais, piscinões e grandes obras de infraestrutura.Enquanto isso, ainda convivemos com uso irracional da água captada pelas companhias de abastecimento.

Ainda utilizamos esses recursos hídricos valiosos para tarefas que dispensam água potável, como é o caso de descargas de banheiros, irrigação de jardins e limpeza de áreas domésticas e públicas. Sendo assim, porque não aprimorar o uso de reservatórios residenciais para água das chuvas como uma medida de tornar mais seletivo o uso da água tratada? No lugar de pensarmos em grandes soluções – que demandam vultuosos investimentos em infraestrutura – poderíamos pensar nas soluções pequenas,abrindo espaço ao incentivo a pequenas mudanças na casa das famílias de forma que a água pluvial possa ser melhor aproveitada.

Os avanços neste sentido ainda são muito tímidos pelos diversos desincentivos que existem para tal. O primeiro é o custo-benefício em diversas localidades em que é mais barato utilizar a água da rede básica do que investir em soluções sustentáveis. Porém, o risco de racionamento em grandes cidades – como na Grande São Paulo – deve ser visto como um alerta. Por exemplo, enquanto o Sistema Cantareira registrava sucessivos recordes negativos em seu nível, a capital paulista enfrentava as conseqüências de enchentes por causa das chuvas de verão. Esse alto volume pluviométrico poderia ser utilizado para tarefas em que a água tratada é dispensável.

Esquece-se que o problema das chuvas ganha proporções muitas vezes catastróficas pelo somatório de diversos problemas urbanos, sendo que grande parte relacionado à alta impermeabilização do solo e a falta de estruturas que permitam o escoamento ou absorção da água. Neste caso, pensar em pequenas soluções seria criar leis que incentivem que as águas pluviais fiquem um tempo armazenadas nas residências antes de irem para galerias públicas. Esses recursos hídricos poderiam ser utilizados nas casas para fins secundários, colaborando na diminuição da escassez nas áreas urbanas.

O Poder Público precisa estar atento a formas de incentivar a colheita urbana da água das chuvas. Somente a soma de diversos esforços e ações neste sentido permitirá que as grandes cidades tenham condições de superar os imensos desafios ambientais que temos pela frente.

 

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